17 de julho de 2020
Tudo começou naquele “não sei” sem convicção, entendido (pelo meu pai) como um sim.
Nove meses depois: – Que bebê mais fofo! E dê-lhe selfie no Face, Instagram…
Agora eu era o Príncipe (talvez até com poderes de Rei).
Proibido me deixar chorar. Liberada a overdose de colo, mimos, brinquedos, cafunés…
Dormir tranqüilo todo o dia. Mamá, xixi, dor de barriga, atenção e cuidados exclusivos a noite inteira.
Papai, eu nunca mais vi. Deve estar trabalhando, jogando bola, cozinhando, vendo filme, comprando alguma coisa para mim… Sei lá!
Aprendo a caminhar e isso exige cuidados redobrados. Deus me livre de cair, comer insetos, enfiar amendoim no nariz, ouvido.
E chega a hora de ir pra Escola. Que legal fazer amigos, mas “ai” daquele que ousar bater em mim! Mamãe chama a Polícia Federal, o FBI, até a SWAT …
Eu sou o cara!
Se tirar nota baixa, o problema é o professor, o currículo, o MEC. Eu não tenho nada a ver com isso. E mamãe resolve tudo junto à secretaria, direção, onde for… A mensalidade tá em dia, a escola (particular) não vai querer perder alunos nesta crise. Azar da “Tia”!
Adolescente é tudo igual, só muda o CEP, minha mãe diz. Minhas roupas são atraídas pelo chão, a cama sempre desarrumada e cheia de coisas por cima. Brotam em qualquer lugar os pratos com resto de comida, copos, note, carregadores…
E meu corpo jaz inerte, à exceção dos ágeis polegares teclando o celular e dos olhos atentos acompanhando a tela. Nada mais existe, além da tela e da porta do meu quarto, a não ser a equipe de apoio (também conhecida como família) que me alcança o necessário para a minha sobrevivência através do sistema delivery.
O tempo vai passando até que eu, que nunca tive nenhum problema ou preocupação na vida, começo a me sentir meio ansioso, confuso.
Do nada, vai aumentando um cansaço, não tenho mais vontade de fazer nada (embora sinta que precise e ainda me culpe por isso). Também estou me isolando cada vez mais, não durmo, nem me alimento direito, me irrito e tenho medo nem sei de que.
Minha mãe fala para eu tomar jeito, melhorar meu humor, me arrumar, ajudar, achar o que fazer… Pior que concordo com ela, mas como? Não sei por onde começar ou me determinar (acho que nunca soube, pois sempre fizeram tudo para mim). Acabo “ficando na minha”, esperando que as coisas melhorem (só que o tempo passa e nada muda). Quase sempre me estresso e causo a maior briga. Azar!
A vida é uma droga e eu já me acostumei a chorar escondido.
Fico me perguntando: – por que tudo isto? – de quem é a culpa, das estrelas?
– Não!
– A culpa é da minha mãe.
Autor: Vilmar de Oliveira Barreto
Gisela Purper Barreto, Psicóloga clínica, Contato: (51) 985843945
Pós-graduada em Arteterapia, Matriculada em Curso de Extensão em Neurociência do Comportamento Pela Universidade Internacional de Ciências do Espírito – UNIESPÍRITO
Contato: (51) 985843945